Mindfulness e o inconsciente de Freud e Jung

As práticas de Mindfulness, que visam treinar a atenção plena ao momento presente, estão se tornando cada vez mais conhecidas ao redor do mundo. Nos Grupos de 8 semanas (uma sessão semanal de duas horas durante dois meses), os participantes aprendem práticas formais – relacionadas à meditações breves – e práticas informais – treinar a atenção para fazer certas ações no cotidiano sem estar no “piloto automático”.

Uma questão interessante é sobre o inconsciente durante as vivências de atenção plena. Para respondermos à pergunta sobre a relação de Mindfulness com o inconsciente, temos que pensar nos conceitos de inconsciente. Falaremos neste texto sobre o inconsciente filosófico, o inconsciente na psicanálise de Freud e na Psicologia Analítica de Jung. 

O inconsciente filosófico

Quando estamos realizando uma prática de Mindfulness, podemos vir a notar certas sensações corporais das quais não estávamos conscientes, como provavelmente você não está consciente das sensações corporais na sua orelha esquerda ou dedão do pé direito agora.

Ao tomarmos consciência de uma sensação em uma parte do corpo, estamos deixando de estar inconscientes dessa parte. Nessa definição, que vem da filosofia, a grosso modo, o inconsciente é o que não percebemos. Como o famoso exemplo da onda do mar. Cada gota de água ao cair como uma onda faz um som. Não percebemos cada gota fazendo um som, mas a onda como um todo. Assim, estamos conscientes de uma parte desses estímulos sonoros, porém estamos inconscientes de todos os detalhes do fenômeno.

Portanto, ao praticar Mindfulness vamos tornando conscientes partes da nossa experiência que antes eram inconscientes. Por exemplo, que seguramos a respiração quando surgem pensamentos desagradáveis ou quando vamos realizar um movimento específico com os braços. 

O inconsciente da psicanálise de Freud

Didaticamente, vamos resumir o conceito do inconsciente conforme descrito por Freud em duas definições. Em uma, vemos o inconsciente que é como um lugar (ele fala da topologia, topos, lugar) com conteúdos recalcados. Conteúdos que a consciência prefere esquecer, suprimir, deixar de lado, não ver, enfim, recalcar. Em outra definição, o inconsciente não é somente um lugar, mas também um modo de funcionamento que difere do funcionamento da consciência. Por exemplo, os sonhos são construídos de forma que temos às vezes dificuldade de captar o seu sentido, não só porque trazem os conteúdos recalcados, mas também porque trazem funções específicas como o deslocamento e condensação. 

Nas práticas de Mindfulness vemos claramente o surgimento de pensamentos e associações que não são produzidos pela consciência. Se ficamos voltando e voltando a nossa atenção para a respiração, observaremos pensamentos aparecerem e desaparecem. Na maioria das vezes – em pessoas sem transtornos mentais graves – os pensamentos são lembranças inofensivas ou planejamentos.

Contudo, em certos momentos ou fases, é natural aparecerem conteúdos carregados de afetos, conteúdos esses que preferiríamos recalcar. Pode ser uma lembrança dolorosa de uma perda de um ente querido ou a raiva que não queremos aceitar de uma situação em que não podemos mudar nada. Talvez um sonho antigo completamente esquecido ou desejos ou vontades de partes da nossa personalidade que, ao longo dos anos, fomos deixando para lá. 

O inconsciente da Psicologia Analítica de Jung

Também de forma didática, podemos dizer que Jung descreveu o inconsciente como pessoal – bastante parecido com a psicanálise no sentido de conter conteúdos recalcados ou esquecidos – e o inconsciente coletivo, dos arquétipos e símbolos. O inconsciente para Jung aparece personificado. As partes recalcadas aparecem nos sonhos como personagens. A fim de facilitar a descrição, Jung recorreu a alguns termos como sombra, anima, animus, persona, Self. E ele também criou uma forma de se aproximar desses conteúdos, chamada de imaginação ativa. 

Veja o texto – A meditação para Jung

Nas práticas de Mindfulness, não é raro acontecer o que chamamos de experiência do Self, ou experiência numinosa (Rudolf Otto). Embora seja complicado dizer o que é o Self junguiano em poucas palavras, podemos resumir dizendo que o Self é a expressão da totalidade da psique, englobando tanto o inconsciente como a consciência. As experiências são numinosas na aproximação com o Self por trazerem a sensação de uma grande realização e serem elaboradas frequentemente com pensamentos que lembram os dos místicos.

Por exemplo, na vivência de um senso de unidade com todas as coisas e seres ou na incapacidade de dizer porque as palavras ficam pequenas ou falhas para se expressar o que sente na transcendencia do eu e do outro, do ego e dos seus supostos problemas que causam sofrimentos inúteis. 

Utilizando ainda a Psicologia Analítica de Jung, também encontramos os conteúdos reprimidos ou recalcados e também pode acontecer de surgirem os complexos de tonalidade afetiva, ou seja, conteúdos com muito afeto e que tiram a atenção da prática.

Em suma, nas práticas de Mindfulness, podemos ver o inconsciente como estímulos que não percebíamos anteriormente (inconsciente filosófico), como conteúdos recalcados ou modo de funcionamento cognitivo que difere da consciência (inconsciente freudiano) ou como conteúdos que transcendem o ego, no encontro com o Self (inconsciente junguiano).

Conclusão

Neste texto, não procurei definir um conceito de inconsciente que existe dentro das teorias sobre Mindfulness. Mas sim tentar responder como podemos “encontrar o inconsciente” durante o decorrer das práticas de Mindfulness. 

Dúvidas, sugestões, comentários, complementações, por favor, escreva abaixo.

Publicado por

Felipe de Souza

Psicólogo (CRP 04/25443), Mestre (UFSJ), Doutor (UFJF), Instrutor de Mindfulness (Unifesp), Coach e Presidente do Instituto Felipe de Souza. Como Professor no site Psicologia MSN venho ministrando dezenas de Cursos de Psicologia, através de textos e Vídeos em HD. Faça como centenas de alunos e aprenda psicologia através de Vídeos e Ebooks! Loja de Vídeos e Ebooks. Você pode também agendar uma sessão de Orientação Profissional, de Relacionamentos ou a Supervisão Online com o Psicólogo Online. E não se esqueça de se inscrever em nosso Canal no Youtube!

3 comentários em “Mindfulness e o inconsciente de Freud e Jung”

  1. Amei o texto. Sou um engenheiro que namoro os temas relacionados à mente humana.
    Estou lendo o livro “Atenção Plena – Mindfulness” de Mark Williams e Danny Penman e estou adorando. Leitura bem suave. Acabei de ler o excelente livro “O cérebro de buda de Rick Hanson, cuja abordagem é bastante fisiológica quando fala do cérebro.
    Parabéns! Vou vasculhar mais o seu site.

  2. Caro Felipe,

    Obrigado por engajar-se na escrita sobre esse tema, por horas tão sutil e volátil. É-me claro que ambas as partes da mente (consciente e inconsciente) dançam entre si durante as práticas de mindfulness. Há momentos de concentração nos quais pensamentos, das mais variadas ordens, sutileza, e, por vezes, sombras, são iluminados pela consciência.

    Conforme aprofundamos em mindfulness, damo-nos mais e mais conta de conteúdos inconscientes da mente, de forma cada vez mais clara e inteligível.

    Mindfulness é, portanto, um excelente modo de adquirir consciência de quem somos.

    Parabéns pelo texto.

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