Mindfulness: narração, descrição e argumentação

Uma maneira interessante de pensar o processo que envolve estar mindful, estar plenamente atento ao momento presente, é através do que estudamos nas aulas de português, redação e literatura no colégio sobre a diferença entre narração, descrição e dissertação.

Mindfulness significa estar atento ao que acontece no momento presente, de maneira proposital e sem julgamentos. E, por esta definição, entendemos que o processo aproxima-se mais do processo descritivo e se afasta da narração e da dissertação.

Diferença entre narrar e descrever

Explico: a diferença entre narração e descrição é muitas vezes tênue, mas, a grosso modo, narrar significa dispor acontecimentos no tempo. Se eu te pergunto o que você fez ontem ou o que planeja fazer amanhã, se você quiser me responder, terá que narrar: “ontem eu almocei com amigos e depois fui ao cinema” ou “amanhã entro de férias e irei para a praia logo cedo”. São fatos, eventos, acontecimentos.

Se eu te ligasse e te perguntasse como está a praia agora, você teria que me descrever – e não narrar – o momento atual: “está calor e com poucas nuvens”.

Como disse, a linha é tênue porque também podemos descrever enquanto narramos. Mas o meu ponto aqui é de que ao realizar uma prática de Mindfulness ou procurar estar mindful em um momento qualquer do seu dia, facilita se houver o afastamento das narrativas pessoais ou alheias.

Gosto da pergunta: “agora-agora, existe algum problema?”

Dissertar: abstrações e julgamentos

Em igual medida, quando estamos plenamente atentos ao presente, nos afastamos também das dissertações. Dissertar significa argumentar, defender uma ideia, uma orientação, uma opinião, enfim, um pensamento. Esta defesa, ou a mera exposição dos argumentos de outros, envolve das funções mentais básicas: a abstração e o julgamento.

Abstrair significa se afastar dos cinco sentidos, buscar normas e regras gerais, quiçá universais. Julgar significa avaliar duas ou mais posições contrárias, vasco ou flamengo, direita ou esquerda, e emitir um juízo de valor de que isso ou aquilo é o melhor, o mais bonito ou agradável, o mais adequado ou inadequado.

Nos Programas de 8 Semanas de Mindfulness, aprendemos e ensinamos que a ideia não é deixar a mente em branco, ou seja, não se trata de querer reprimir as abstrações e julgamentos, nem mesmo as longas histórias intermináveis nas quais nos engajamos.

A ideia é perceber que estão presentes as abstrações, julgamentos e narrativas, mas, com gentileza e curiosidade conosco, com o nosso processo mental natural, soltar, deixar tudo isso um pouco para depois.

Algumas técnicas nos ajudam. Podemos dizer: “oi pensamento” (aceitando a sua existência), “obrigado pensamento” (agradecendo a sua suposta utilidade futura ou passada) e “tchau pensamento“, afastando-nos desse pensamento que, em geral, portanto, é mais narrativo ou dissertativo, e voltando para a experiência atual, descrevendo-a ou, melhor ainda, apenas experienciando o que estiver acontecendo.

Isso pode soar um pouco contraditório com o que disse anteriormente. Mas é simples: mindfulness se aproxima mais desse processo que chamamos na escola de descrição:

“Estou sentindo o ar entrando nos meus pulmões”

“Estou sentindo o ar saindo”

“Estou respirando superficialmente, agora”

“Estou sentindo um frio na barriga”

“Esta é uma sensação agradável (julgamento)”

“Isso é Mindfulness” (abstração)…

Enfim, estas são descrições possíveis sobre o que acontece nas práticas de Mindfulness. Descrever, entretanto, é diferente de ter a experiência direta. Se você sente um formigamento no pé esquerdo, a experiência é direta.

Se você sente e pensa: “estou sentindo um formigamento no pé esquerdo” você está descrevendo.

Se com a descrição você avalia que a sensação é desagradável, você está julgando a experiência e se afastando ainda mais dela, como se estivesse argumentando sobre o que está acontecendo ou como se estivesse dissertando sobre ela.

Ou se você lembra que teve a mesma sensação na última vez que foi à praia, você também está se afastando da experiência, agora entrando no modo narrativo, voltando ao passado.

Conclusão

Este é um texto simples que procura fazer uma relação entre Mindfulness, entre estar plenamente atento aqui e agora, e estes conceitos de narração, descrição e dissertação.

Existem nuances sobre o que está escrito. Se eu leio o texto e contra-argumento – ou concordo – e penso sobre outros conceitos e autores, eu abstraio sobre a experiência atual.

Em minha experiencia atual, um passarinho canta perto da janela. Mas se eu abstraio e estou plenamente atento à minha abstração, eu estou mindful.

A ideia do texto, então, em resumo é que, no começo, facilita deixar de lado as longas dissertações e as grandes narrativas pessoais e adentrar na descrição da experiência atual e até abandonar a verborragia sobre a própria experiência para experiência diretamente o que é Mindfulness. Depois conseguimos ampliar e estar mindful nestes outros modos de pensamento.

Publicado por

Felipe de Souza

Psicólogo (CRP 04/25443), Mestre (UFSJ), Doutor (UFJF), Instrutor de Mindfulness (Unifesp), Coach e Presidente do Instituto Felipe de Souza. Como Professor no site Psicologia MSN venho ministrando dezenas de Cursos de Psicologia, através de textos e Vídeos em HD. Faça como centenas de alunos e aprenda psicologia através de Vídeos e Ebooks! Loja de Vídeos e Ebooks. Você pode também agendar uma sessão de Orientação Profissional, de Relacionamentos ou a Supervisão Online com o Psicólogo Online. E não se esqueça de se inscrever em nosso Canal no Youtube!

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